07 fevereiro 2014

SETE APRENDIZAGENS SOBRE INOVAÇÃO NA SOCIEDADE-EM-REDE


by Augusto de Franco (2014)




1 - Não adianta querer mudar sem mudar
Tenho observado que as empresas querem sinceramente mudar. Elas já entenderam que estão condenadas à inovar. Já perceberam que inovação é mudança. Gostariam, portanto, de mudar a sua dinâmica de funcionamento (para serem mais ágeis, mais adaptativas e... mais inovadoras). No entanto, quando se lhes diz que, para tanto, é necessário mudar o modo como se organizam, elas refluem. Ou seja, elas sabem que a sociedade (incluindo o mercado) está ficando cada vez mais em rede e então querem adquirir e adotar novos programas para se adaptar à nova realidade. No entanto, pensam que para se adaptar melhor precisam mudar os softwares, mas não querem mexer no hardware. Ora, isso é impossível. Os novos softwares que as empresas gostariam de ter (para funcionar mais horizontalmente, em rede) não rodam bem na sua velha "máquina" (que está estruturada verticalmente, como uma pirâmide). A "máquina", no caso, é o conjunto de caminhos permitidos aos fluxos, quer dizer, à interação (ou comunicação) entre as pessoas que as integram (1). Então esta primeira aprendizagem pode ser reescrita da seguinte maneira:

Não adianta querer mudar (a dinâmica de funcionamento) sem mudar (o padrão de organização).

2 - Uma mudança só é possível do conhecido para o desconhecido
Este foi um insight fantástico de Jiddu Krishnamurti, reunido no The Book of Life. É mesmo incrível como ele pôde ter percebido isso numa época na qual ainda não eram tão evidentes os sinais de transição para uma sociedade em rede. Eis o trecho inteiro: "Uma mudança só é possível do conhecido para o desconhecido, não do conhecido para o conhecido. Por favor, considerem isto comigo. Na mudança do conhecido para o conhecido, existe autoridade, existe uma perspectiva hierárquica da vida "Você sabe, eu não sei. Por isso adoro você, crio um sistema, vou atrás de um guru, sigo você porque você vai me dar o que quero saber, você me dá uma certeza de conduta que produzirá o resultado, o sucesso e o resultado". Sucesso é o conhecido. Eu sei o que é ter sucesso. É isso que quero. Assim, vamos do conhecido para o conhecido, onde a autoridade deve existir – a autoridade da sanção, a autoridade do líder, o guru, a hierarquia, aquele que sabe e aquele que não sabe – e quem sabe deve me garantir o sucesso, o sucesso em meu esforço, na mudança, de modo que serei feliz, terei o que quero. Não é esse o motivo para a maioria de nós mudar? Por favor, observe seu próprio pensar, e você verá os caminhos de sua própria vida e conduta. Quando você olha para isto, isso é mudança? Mudança, revolução, é uma coisa do conhecido para o desconhecido, em que não existe autoridade, em que pode haver falha total. Mas se você está seguro de que conseguirá, terá sucesso, será feliz, terá vida eterna, então não há problema. Então você irá ao encalço do bem conhecido curso de ação, ou seja, você mesmo sendo o centro das coisas" (2). Seria diminutivo acrescentar alguma coisa. Então esta primeira aprendizagem pode ser reescrita da seguinte maneira:

Uma mudança só é possível do conhecido para o desconhecido, não do conhecido para o conhecido.

3 - Inovação é sempre um resultado inesperado
As empresas - funcionando na base do comando-e-controle - se acostumaram a projetar (e a cobrar dos seus colaboradores) os resultados que almejam alcançar. É o chamado resultado esperado. Isso funciona, de fato, quando se trata de reproduzir a mesma coisa: o mesmo processo, o mesmo modelo, o mesmo produto, o mesmo serviço. Mas não funciona quando se trata de inovação. Inovação é sempre um resultado inesperado (senão seria reprodução, repetição). Como dizia Heráclito de Éfeso: "Espere o inesperado, ou você não o encontrará". Se as empresas já podem saber (de antemão) o que vão obter, então não precisam fazer qualquer esforço adicional para inovar. A questão é que elas não sabem. Quando se trata de inovação, ninguém sabe. Então esta terceira aprendizagem poderia ser reescrita da seguinte maneira:

Inovação é sempre um resultado inesperado e assim é inútil tentar controlar processos de inovação verificando se foram alcançados os resultados esperados.

4 - Inovação copiada é reprodução, não inovação
Parece tão óbvio que dispensaria este scholium. Mas na prática não é assim. Quando as empresas pedem a alguém que lhes ajudem a implantar processos de inovação e recebem uma proposta, a primeira pergunta que fazem é a seguinte: "Mas onde isso já foi aplicado e deu certo?" Ora, a resposta óbvia a essa pergunta automática só pode ser a seguinte: "Aí não seria inovação e sim reprodução". Por outro lado, algo que "deu certo" em um lugar (e em um momento) tem poucas chances de "dar certo" em outro lugar (e em outro momento). As circunstâncias (espaço-temporais) são sempre peculiares. Poderíamos dizer: deu certo onde deu (em outro lugar não daria, como deu). Mas ainda há quem pergunte: "Mas se deu certo, por que não durou?" A resposta é novamente surpreendente: "Não durou justamente porque deu certo (no tempo em que deu, deu; em outro tempo não daria, como deu)". Para entender esses epigramas é necessário perceber que a inovação é expressão de um processo de alostase e não de homeostase. O que se deve manter é uma trajetória de adaptações bem-sucedidas, quer dizer, de mudanças contínuas congruentes com as mudanças das circunstâncias e não um estado inicial (steady state) cujos parâmetros são fixos (3). Sustentável é o que muda (inova) continuamente e não o que preserva a mesma estrutura e a mesma dinâmica. Assim, o que deve durar é a inovatividade (a capacidade sistêmica instalada de inovar tempestivamente) e não os resultados de uma ou outra inovação bem-sucedida (ou os processos específicos pelos quais elas foram obtidas). O resultado mais importante é sempre o surgimento de um novo processo, não a coisa concreta produzida. A mudança é sempre um novo processo que pode mudar as coisas produzidas, para que as coisas novas não fiquem velhas. Por tudo isso é inútil ficar coletando cases, best practices, exemplos a partir dos quais se possa fazer benchmarking. Porque não funciona. Então esta quarta aprendizagem poderia ser reescrita da seguinte maneira:

Inovação copiada é reprodução, não inovação. A inovação é sempre inédita e, portanto, é inútil tentar reproduzir os processos particulares pelos quais uma organização inovou com sucesso.

5 - Nunca se trata de colocar uma coisa no lugar de outra
Quando se fala de mudanças em uma empresa, surge sempre a pergunta: "Mas como será então? O que colocaremos no lugar de...?" Ora, a única resposta que faz sentido para esta pergunta é desconcertante: "Não sabemos como será, será o que será. E não podemos colocar nada no lugar de... antes de ser o que será, porque senão não será o que será". Outro epigrama que pode ser desvendado com as considerações seguintes. As mudanças capazes de aumentar as chances de sustentabilidade de uma empresa são sempre processos de transição organizacional. E quando falamos de transição não estamos tratando de destinos últimos e sim de trajetórias diversas de adaptação. Os resultados não podem ser conhecidos a priori e, assim, não temos nada (pré-concebido, pré-fabricado) para colocar no lugar de algum modelo, processo, produto ou serviço antigos. Todas as empresas estão vivendo, em alguma medida, um processo de transição (as que não estão já desapareceram em razão de déficit de adaptação). Quem está vivendo a transição, em geral, não percebe o sentido do movimento, mas apenas os problemas, as confusões e os efeitos colaterais do desafio de ter que mudar o seu padrão de adaptação a um mundo em franco processo de distribuição querendo manter, entretanto, o seu padrão de organização fortemente centralizado (é claro que é impossível manter o estado pretérito do padrão de organização quando muda o padrão de adaptação: a alostase de uma empresa exige simultaneidade da mudança do padrão de adaptação e do padrão de organização e, por isso, haverá "choro e ranger de dentes" por parte de quem está experimentando diretamente os dilemas da mudança). A transição é narrativa de quem vê a onda; quer dizer, a continuidade (o fenômeno ondulatório, próprio de um meio contínuo) só é percebida pelo observador que observa tudo isso numa linha temporal mais longa. Quem está na onda - e não vê que é uma onda longa e nem mesmo vê que é uma onda - só percebe a arrebentação (quer dizer a descontinuidade, o fenômeno discreto) como choques sucessivos com as pedras ou com o solo (a onda arrebentando na praia). É por isso que as pessoas das empresas têm dificuldade de perceber a transição e, muitas vezes, acham que estão fazendo alguma coisa errada quando a frequência da onda aumenta (com o aumento da interatividade do meio) e aparecem também com mais frequência os problemas da inadaptação (em geral decorrentes do descompasso entre a mudança do padrão de adaptação e a mudança do padrão de organização) (4). Então esta quinta aprendizagem poderia ser reescrita da seguinte maneira:

Nunca se trata de substituição, de colocar uma coisa no lugar de outra e sim de deixar que os novos processos que se acrescentam aos antigos gerem novas configurações emergentes.

6 - Uma boa dose de comportamento aleatório é necessária para a inovação
A questão é que não é possível ser criativo sem partir em novas direções e em sistemas dinâmicos complexos essa direções são aleatórias (5). O sistema - no caso, a rede de pessoas que compõem qualquer organização - deve ter a liberdade necessária para aprender. Não pode ser ensinada a não-errar; se o for, não aprenderá. Olhando de um ponto de vista tradicional pode-se dizer que muitos erros são cometidos em qualquer processo de inovação, porém é um esforço inútil (e contraproducente) tentar otimizar a gestão para evitar esses erros. Como diz o conhecido ditado: "Se você não está errando muito é sinal de que não está se esforçando o suficiente". Porque o que chamamos de erro não é erro (como desvio de um alvo pré-estabelecido) e sim o modo como qualquer sistema pode aprender (o que é muito diferente - em certo sentido é até o oposto - de ser-ensinado). Aprender não é apreender o mundo e sim mudar com o mundo (6). O que significa que um sistema só é capaz de aprender se for capaz de se auto-organizar. O comportamento aleatório (não-planejado) é parte do processo de auto-organização. Deve, portanto, haver liberdade para as pessoas poderem abrir caminhos inéditos para os fluxos da sua convivência social, mesmo quando avaliamos que isso não levará a nada: nunca se pode saber como o comportamento coletivo será aleatoriamente modificado, mas já se pode saber que não haverá mudança de comportamento coletivo sem uma boa dose de aleatoriedade. E se o comportamento coletivo não for modificado não haverá aumento de inovatividade. Então esta sexta aprendizagem poderia ser reescrita da seguinte maneira:

Uma boa dose de comportamento aleatório é necessária para a inovação e não é possível ser criativo sem partir em novas direções tomadas sem um plano pré-definido.

7 - É estúpido tentar organizar a auto-organização
Harrison Owen, que introduziu a tecnologia do Open Space, em recente palestra no TEDxNavesink (2013), fez uma interessante exploração sobre a ideia de que todos os sistemas são inerentemente auto-organizados e que, assim, nossos esforços (working-too-hard) de interferir nos processos para evitar o caos acabam impedindo a emersão de novos padrões de ordem. Ele qualificou essas tentativas como estúpidas e propôs usarmos os momentos de caos - aceitando-os e surfando nos seus fluxos - para aumentar a nossa criatividade e a nossa produtividade (7). Os quatro princípios do Open Space podem ser vistos como orientações para o deixar-fluir necessário à inovação. Eles são os seguintes: 1) A pessoa que vem é a pessoa certa; 2) Aconteceu a única coisa que poderia ter acontecido; 3) Toda vez que você iniciar é o momento certo; 4) Quando uma coisa termina, termina (8). Pois bem. Uma das grandes dificuldades das empresas é justamente deixar-acontecer. Possuídas pela pulsão de tudo comandar-e-controlar para produzir resultados esperados, bater metas, ensinar as pessoas como devem se comportar, programar tudo para que nada escape do que foi planejado, as empresas acabam obstruindo os fluxos que poderiam torná-la mais interativa, mais inovadora, mais adaptável e, consequentemente, mais sustentável. O problema é que agindo assim elas têm mais dificuldades de iniciar a transição para um novo padrão de rede. Sim, a palavra correta é: iniciar! O importante na transição é iniciar, não terminar: "O fim é o começo, e o começo é o primeiro passo, e o primeiro passo é o único passo" (9). É como pegar uma onda: depois a coisa vai sozinha... Ora, sistemas que se auto-organizam têm um padrão de rede (distribuída) (10). Como escrevi em 2008: tudo que é sustentável tem um padrão de rede (11). Nenhuma empresa fará uma transição "acabada" (e, portanto, claramente identificável para servir de exemplo ou modelo) para um padrão de rede na integralidade da sua estrutura e do seu funcionamento, mas... eis a questão: nenhuma empresa, de qualquer tamanho, poderá evitar a aplicação (ou melhor, a realização) de processos de rede no seu interior e no seu ecossistema, se quiser aumentar suas chances de evitar o risco sistêmico - um risco de colapso ou morte por baixa interatividade (que se revela como queda simultânea de inovatividade e produtividade, mesmo em situações de alto crescimento) - que ameaça todas organizações hierárquicas em um mundo cada vez mais em rede. Na medida em que descobrirem isso, as empresas implantarão processos de rede no seu ecossistema: não [apenas] para ganhar mais e sim para durar mais (12). Não há o que acrescentar à formulação desta sétima e última aprendizagem:

É estúpido tentar organizar a auto-organização.

Notas e referências
(1) Essas ideias estão mais desenvolvidas no texto Netweaving Technologies: Processos de Rede em Empresas http://goo.gl/rdT3pW
(2) Cf. KRISHNAMURTI, Jiddu (1995). The Book of Life http://goo.gl/RwJBYh
(3) Para entender os conceitos de homeostase e alostase, cf. Netweaving Thechnologies; op. cit.
(4) A simultaneidade da conservação da adaptação e da organização é um conceito de Humberto Maturana. Para entender melhor como eu o aplico ao contexto das empresas em transição, cf. Netweaving Technologies; op. cit.
(5) Encontrei essa ideia em um romance de Michael Crichton (2002): Presa. Crichton fez um esforço considerável para entender swarm intelligence e os fenômenos de auto-organização, inclusive aduzindo uma bibliografia razoavelmente atualizada para época.
(6) A frase é de Humberto Maturana no excelente texto Aprendizaje o Deriva Ontogénica. Disponível em http://goo.gl/laZsO4
(7) Assista a TEDx Talk de Harrison Owen no link http://goo.gl/3PysFn
(8) Para saber mais sobre Open Space Technologie consulte os links abaixo:
Brief History A brief history of Open Space http://goo.gl/KeH5ZX
The Business of Business is Learning An occasional paper done in 1989 suggesting that the real business of business is learning to do the business better. This paper became the basis for several Open Space conference in India and in the United States http://goo.gl/thAfbq
A Brief User's Guide The original Guide to Open Space. Not much here, but it was all we had until the arrival of Open Space Technology: A User's Guide (Barrett-Koehler, 1997) http://goo.gl/RNHqiB
Learning as Transformation First published in In Context suggests that genuine learning is transformational, and that Transformation is learning http://goo.gl/GCO39X
Spirit Shows Up Originally intended as a chapter in a book edited by Peter Vaill, but the book never happened. The subject is Spirit and its appearance in Open Space http://goo.gl/mSZR0D
Emergent Order First published in the OD Practitioner it is suggested that the remarkable things that happen in Open Space have nothing to do with the magic of Open Space, but rather the prior reality of self-organizing systems http://goo.gl/ZifCZ9
Mythos This is the original first chapter of the book, Spirit: Transformation and Development in Organizations, published by ABBOTT PUBLISHING in 1987. It is out of print http://goo.gl/xaq7cm
Future of Hampton Roads A case study from Spirit: Transformation and Development http://goo.gl/23Ap4B
Eastern Virginia Medical Authority A case study from Spirit: Transformation and Development http://goo.gl/WxDhwy
The Internal Revenue Service A case study from Spirit: Transformation and Development http://goo.gl/S0OM9o
Mythic Transformation An interview with Harrison Owen which appeared in In Context http://goo.gl/V4Cuyw
Resolution An article by Harrison Owen published in The Journal for Quality and Participation http://goo.gl/ly7Ekv
Opening Space for The Question Some thoughts about Knowledge Management as seen through the eyes of Open Space http://goo.gl/2ZcFFJ
(9) A frase é de Jiddu Krishnamurti, com certeza, mas não foi possível localizar a obra em que está publicada.
(10) Para entender o que é rede distribuída, leia o texto introdutório do livro de FRANCO, Augusto (2013). Empreendimentos em Rede: Tendências e Desafios, disponível em http://goo.gl/pgT6V6
(11) Este é o título de um livro de FRANCO, Augusto (2008), disponível no link http://goo.gl/ekT389
(12) Cf. FRANCO, Augusto (2013). Empreendimentos em Rede; op. cit.



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